STJ afasta inventariante do Grupo João Santos por suspeita de fraude

Por Blog Cláudio Dantas

Em decisão contundente há pouco, o ministro Moura Ribeiro, do STJ, determinou que o advogado Augusto Quidute, inventariante dativo do espólio bilionário do Grupo João Santos, “se abstenha de alienar, gravar, dar em garantia ou proceder a qualquer ato capaz de onerar o patrimônio do espólio ou das empresas do Grupo, até o julgamento deste recurso especial”.

O relator acolheu pedido de tutela de urgência apresentado por Fernando João Pereira dos Santos, primogênito da família que foi afastado de forma ilegal da função de inventariante.

No recurso especial, antecipado por este site, a defesa de Fernando alegou “nulidade do acórdão” que indicou Quidute, “que administra o grupo de forma temerária, pretendendo alienar e operar os bens das empresas por preço inferior ao avaliado na recuperação judicial”.

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Ainda, segundo o ministro, trata-se de medida de “precaução” dado que a dilapidação do patrimônio do Grupo João Santos, dono do cimento Nassau e um dos maiores conglomerados do Nordeste, pode vir a inviabilizar a quitação de dívidas trabalhistas e o pagamento de credores da RJ.

Moura Ribeiro ressaltou que o próprio exercício da inventariança segue subjudice, sendo necessária a “preservação do espólio e das empresas”.

PATRIMÔNIO À MARGEM DOS HERDEIROS

Como revelou esse site, a nomeação do advogado Quidute como inventariante dativo ocorreu sem consulta ou anuência dos herdeiros legais do patriarca e fundador João Pereira dos Santos. Os seis filhos diretos do empresário foram simplesmente alijados do processo de inventário e, por consequência, da condução da recuperação judicial de um império que ajudaram a construir.

Augusto Quidute, que ganhou fama como advogado de Anita Harley, herdeira e acionista majoritária das Pernambucanas, assumiu poderes amplos e vinha tomando decisões cruciais com base em sua prerrogativa de representar 91% das cotas dos espólios. Há especulações nos bastidores de que o inventariante dativo mantém relações pessoais com o desembargador Márcio Aguiar, que era relator do caso.

Após uma série de questionamentos da defesa de Fernando e até dos demais herdeiros, Aguiar declarou-se suspeito por questões de “foro íntimo”, transferiu o caso para o desembargador Gabriel Cavalcanti e aposentou-se no ano passado. 

CONTRATOS SOB SUSPEITA

Em 2023, enquanto o Grupo João Santos declarava dificuldades financeiras e pedia moratória a seus credores, R$ 21 milhões foram pagos a escritórios de advocacia e prestadores de serviços “aleatórios”, sem relação com o corpo jurídico original da empresa. A denúncia, protocolada em juízo e registrada no processo da 15ª Vara Cível de Recife, fala em ‘fraude a credores e lavagem de capitais‘, com desvio sistemático de valores por meio de contratos opacos.

O caso levanta suspeitas ainda mais graves: os pagamentos teriam sido feitos com o aval da nova administração e podem ter beneficiado “membros do Poder Judiciário envolvidos com os interesses do Grupo João Santos e do Inventário”, segundo o documento protocolado por cinco advogados atuantes no caso.

Outro ponto crítico da recuperação é a discrepância nos valores de avaliação dos ativos do grupo. A Justiça reconheceu que os imóveis dados em garantia do financiamento DIP com a ARC Capital foram subavaliados em até 90%. Mesmo assim, essas avaliações seguem como referência para alienação de ativos bilionários — um risco real de esvaziamento patrimonial que pode prejudicar credores, trabalhadores e os próprios herdeiros.

A prática é semelhante à denunciada em outras recuperações judiciais pelo Brasil, como mostrou reportagem do iG: “Em muitos casos, escritórios e fundos lucram com a derrocada das empresas, comprando ativos subvalorizados e atuando na sombra do Judiciário”.

O espólio do Grupo João Santos é avaliado em mais de R$ 13 bilhões e inclui indústrias de cimento, celulose, equipamentos, usinas de açúcar e produção agropecuária, além de gráficas, rádios e TVs. A joia da coroa é produção cimenteira, que chegou a ser segunda maior do país com 13% do mercado.

Nascido em Serra Talhada (PE), órfão de pai, João Santos começou a trabalhar com apenas 8 anos. Formou-se depois em economia e começou a empreender aos 27, comprando parte de uma usina de açúcar. Morreu em 2009, aos 101 anos.

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