Lista de leitura de escritores, jornalistas e intelectuais para 2025 (parte 8)

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Álvaro Cesar Cavalcante Silva

Advogado no escritório de Demóstenes Torres

Abomino quem diga que literatura não serve pra nada. Digo e repito: ela não deve ter um servo pré-definido, e naturalmente tem lá as suas serventias, como a melhora na empatia, aumento do vocabulário etc. Contudo, para além dessas preocupações comezinhas, sabe-se a utilidade da alta literatura (“boa literatura”, no dialeto do politicamente correto), mas esse saber é egoísta, forçosamente individual: vemos nas elucubrações dos outros pontos de apoio para as nossas próprias questões, e talvez seja possível afirmar que essa irmandade de leitores — se surge de modo completamente natural, ou não, é outra história — se apoia, no mais das vezes, na curiosidade e no desamparo, dois fatores constantes a todos os seres humanos em todos os tempos e lugares. “Nossa tendência de querer compreender melhor os mundos externo e interno” – essa é a minha resposta para a pergunta “para que serve a literatura?”, e a lista de livros a seguir é uma partícula representativa do deserto de letras que ainda preciso percorrer para calar minimamente a tendência supracitada.

1 — Graça infinita, de David Foster Wallace

Na verdade, farei uma releitura desse livro. No meu entender, “Graça Infinita” é um dos maiores romances em língua inglesa dos últimos 50 anos, e assustadoramente presciente, pois aborda os perigos de um mundo cujos habitantes encontram-se sempre imersos em distrações, sejam elas químicas, ideológicas, midiáticas etc. É um livro muito engraçado, mas igualmente triste. Uma pena termos perdido tão cedo Foster Wallace.

2 – Exílios e Poemas, de James Joyce

Joyce foi um daqueles autores que cindiram a literatura entre “antes” e “depois”. Contudo, é mais conhecido como contista e romancista, vide “Dublinenses” e “Ulisses”. “Exílios” foi a única peça publicada pelo irlandês, e tachada de mera cópia dos trabalhos de Henrik Ibsen. De todo modo, muito me interessa como Joyce atacou de dramaturgo. A edição que lerei é a proveniente da amálgama entre Penguin e Companhia das Letras, e nela consta todos os poemas de Joyce.

3 — Grandes Sertões: Veredas, de Guimarães Rosa

Guimarães Rosa é incontornável, tal qual Machado de Assis e Graciliano Ramos. Finalmente preencherei uma lacuna que persiste desde a minha juventude.

4 — Dostoiévski: Um Escritor em Seu Tempo, de Joseph Frank

Muito me interessa ler as marchas e contramarchas da história do escritor que mudou a minha vida, quando um querido amigo me emprestou uma cópia de “Crime e Castigo”. Como será que os temas de culpa, misticismo e redenção compuseram a vida de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski? E a sua admiração infindável pelo ucraniano Gógol? É meu escritor favorito.

5 — Against Democracy, de Jason Brennan

O livro foi lançado no bojo de grandes controvérsias, todas elas geradas pela tônica da obra: a democracia realmente é o melhor sistema de governo? Alguns outros escritos de Brennan desafiam a suposta indispensabilidade da democracia no mundo contemporâneo. Autor criativo e contemporaneamente incontornável.

6 — O Pavilhão Dourado, de Yukio Mishima

Um autêntico provocador, soube como ninguém tratar sem quaisquer hipocrisias questões relacionadas ao clima cultural e a sexualidade do Japão de então (“Cores Proibidas”), ao passo que fez da própria vida um estudo sobre suas perversidades (“Confissões de uma Máscara”). Obcecado sobre beleza e morte, e todas os pequenos elementos que estão compreendidos entre esses conceitos, também foi outro que nos deixou muito cedo, com apenas 45 anos. Ainda acho que “garfaram” de Mishima o Nobel de Literatura, vez que ele era “direitista” demais para o páreo. Um dos meus escritores favoritos.

7 — A Grande Transformação, de Karl Polanyi

Em “A Grande Transformação”, Karl Polanyi apresenta suas famosas críticas à ideia de um mercado autorregulado, como se o capitalismo desse jaez não poderia existir como num vácuo, pois a economia se situa na cultura e na sociedade. Esse livro é tão famoso que o populacho — como eu — pode facilmente fornecer algumas linhas sobre os temas abordados na obra. Vamos ver por que esse polímata austro-húngaro é tão popular.

8 — O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon

“A screaming comes across the sky. It has happened before, but there is nothing to compare it to now” — presente em “O Arco-Íris da Gravidade”, essa é uma das linhas de abertura mais famosas da literatura mundial, e com certeza tal popularidade não é sem razão. Pynchon é um autor recluso, mas assustadoramente erudito e popular entre os literatos, que ingressam na sua literatura municiados de guias. O único que li do norte-americano foi “V.”, uma obra que deu um nó na minha cabeça. Críptico, paranoico e brilhante.

9 — O Silêncio dos Animais: Sobre o Progresso e Outros Mitos Modernos, de John Gray

Gray é um filósofo britânico conhecido por sua crítica ao liberalismo, ao humanismo e às ideias progressistas sobre a história. São essenciais suas famosas chacoalhadas dadas em idealizações gerais do ser humano.

10 — O imperador do Sorvete e Outros Poemas, de Wallace Stevens

Stevens é um autor incontornável. Até hoje não me esqueço do impacto que um dos seus poemas, “So-And-So Reclining on Her Couch”, provocou na minha cabeça, ainda aturdida pela má educação nessa espécie de texto literário. Um dos mais proeminentes modernistas norte-americanos, o advogado de formação, chacoalhado quando moço pelas obras de George Santayana, foi conhecido pelo excessivo academicismo de suas letras, o que rendeu uma breve troca de chistes com o também poeta Robert Frost. Hermético, sua escrita promove a reunião quase filosófica entre imaginação e realidade, sendo talvez o poeta cuja obra fosse mais religiosa, mas sem o ser.

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Adalberto de Queiroz

Poeta, cronista e crítico literário

Comprovando a legenda do poeta francês Henri Michaux — “poetas amam viagens”, estou partindo em viagem para a Itália. Neste texto, exploro um pouco desse nosso amor à viagem, em uma das quatro linhas de minhas leituras deste 2025 – literatura e viagem. Vivendo neste início de ano a preparação para voltar à Itália, onde pretendemos passar uma temporada de dois meses, entre abril e junho próximos, leio os italianos e sobre o que estrangeiros (que amam viagens) falam sobre a Itália. Há os transcendentais e os pensadores de nossa terra, mirando o pensar tout court e une vue d´ensemble sobre o mundo inteiro, que é onde se completam as quatro linhas.

1 — Viagem à Itália, de Johann Wolfgang von Goethe é, pois, o primeiro livro que desço da estante para reler trechos lidos na juventude e outros inéditos até hoje. Goethe, nos alerta no prefácio a tradutora da obra – Wilma Patrícia Maas, que o texto tem um “caráter enciclopédico”, porque o alemão trata de uma infinidade de assuntos que o interessaram ao longo dessa permanência no país de Dante Alighieri e o texto reflete os múltiplos interesses do Autor, que escreve sobre sua longa temporada italiana, de setembro de 1786 e abril de 1788.

Assim, “Viagem à Itália não é apenas o relato fiel de uma experiência em um país estrangeiro, mas também um texto extremamente pessoal, que ultrapassa o registro autobiográfico. As idiossincrasias, anseios e obsessões do homem de 37 anos emergem sob o texto, desestabilizando a dicção clássica encontrada por aqueles que desejam ver na obra o ponto de passagem, o momento em que o artista amadurece por completo para prover a Alemanha de seu Classicismo.”

O filósofo e teórico russo Mikhail Bakhtin basta para justificar a leitura das quase 600 páginas dessa pequena enciclopédia goethiana quando identifica “a especial aptidão de Goethe para ver o tempo no espaço”, essa percepção única do escritor alemão para “a coexistência dos tempos em um único ponto no espaço”, que se manifesta claramente em Roma, “o grande cronotopo da história humana” .

2 — Para Além das Margens: a Itália de Elena Ferrante, de Isabela Discacciati. Este livrinho da editora carioca Bazar do tempo (2024) atraiu-me de cara na estante de uma livraria local não apenas por sua beleza gráfica, mas pelo paratexto (4ª capa) que reza: “O livro de Isabela Discacciati propõe uma dupla viagem que se articula no cruzamento da obra de Elena Ferrante, sobretudo em sua tetralogia napolitana, inaugurada com A amiga genial, com um vasto repertório italiano presente no itinerário de suas personagens. Para isso, a autora empreende uma jornada em busca dos cenários e pessoas que, espelhados nesses enredos, ajudam a compreender melhor as referências literárias de Ferrante, atravessando os universos da mitologia, da religião, da cultura popular e a própria geografia italiana”.

Brasileira que emigrou para a Itália, onde estudou e trabalha com turismo, arquitetura e história, Isabela também insere no texto experiências autobiográficas que dialogam com a comovente história da amizade e dos conflitos de Lila e Lenu que conquistou leitoras e leitores em todo o mundo e fez de Elena Ferrante a autora mais celebrada da literatura italiana contemporânea. Embora nunca tenha aberto um livro da Sra. Ferrante, o livro me parece (como o de Goethe) mais do que guias de viagem para um turista ávido por aventuras no Estrangeiro.

3 — Como Falar de Deus Hoje: Antimanual de Evangelização, de Fabrice Hadjadj. Eis um livro que já estou por estudar desde o final de 2024, mas que exige leitura e releitura, pela profundidade do filósofo católico francês, de etnia judaica e ascendência tunisiana. Este livro traduzido do francês por Pedro Sette-Câmara, é uma reflexão sobre hoje, é uma reflexão sobre Deus e é uma reflexão sobre o ato humano de falar. No livro, Fabrice Hadjadj traz à cena a inclinação transcendental manifesta já em nossa linguagem: ao nomearmos as coisas, invocamos aquilo que elas essencialmente são. O ato singelo de falar sobre elas tanto dá honra àquilo que as faz ser como clama por que seja vencido o mal que as impede de ser em plenitude. Toda fala tende, assim, ao louvor e à prece. Hoje, por outro lado, quando sobram meios de falar, e atinge uma extensão inédita o seu raio de alcance, nada parecemos ter a dizer. É que, justamente, falar é abordar o mistério da presença de algo, e só pode ser verdadeiro o que é dito a partir de uma circunstância, a partir de um encontro. Originado como palestra no Conselho Pontifício para os Leigos, este ensaio mostra como, aí onde a comunicação contemporânea erra, os que falam de Deus sempre floresceram e fizeram florescer. Não como arautos da verdade, mas como clowns – que desconcertam, mas apenas por serem aqueles que ainda se deixam encantar.

4 — A Profundidade dos Sexos: Por uma Mística da Carne, de Fabrice Hadjadj. Este é o outro livro do filósofo franco-tunisiano que me atraiu e já vou pelo meio da leitura de suas pouco mais de 260 páginas. Foi-me recomendado pela editora É Realizações e no início me exasperou um pouco, por seu título meio chocante e porque me pareceu uma fuga aos meus temas básicos como católico. Que nada!

O livro é uma joia de entendimento e comunicação de compreensões profundas, como o diz o próprio título. E com sua prosa envolvente, Fabrice Hadjadj constrói uma mística da carne que devolve ao ato sexual a sua concretude: o sexo é, antes de tudo, o órgão em que ele ocorre. Por isso, é plural: o que existe são sexos, o do homem e o da mulher. De Homero a Sade, na literatura; de Aristóteles a Heidegger, na filosofia; de Molière a Dario Fo, na dramaturgia; além, é claro, do Kâmasûtra: com diferentes linguagens e diferentes imagens, todos apontam para a necessidade de procurar os significados do humano em sua carnalidade. E esta ênfase em nenhum lugar se encontra tão aguçada quanto na teologia cristã.

5 — Um Bárbaro na Ásia, de Henri Michaux, tradução de Denise Moreno Pegorim. E com ele, a china por primeiro — onde se aprende que “a virtude é a melhor trama” e o que me leva a retornar a dois chineses que ganharam o prêmio Nobel nos anos 2000 – Gao Xinjian e Mo Yan, de quem já li antes Mudança e Sorgo vermelho. Como estes dois perfazem 918 páginas, tenho a meu favor ter lido já 423. Creio que os restantes 316 dias me valerão.

6 — O Sábio de Malvern Hills: O Espiritualismo Histórico de Christopher Dawson, de Maurício G. Righi. Iniciei no final de 2024, a leitura (de novo, tenho que dizer “estudo) deste livro do historiador brasileiro Maurício G. Righi que analisa a obra de Christopher Dawson. Righi já me havia conquistado com dois livros anteriores – “Sou o primeiro e o último” e “Pré-História e História”. Agora, nessa obra sobre Christopher Dawson, conservador galês, considerado um dos mais importantes historiadores da cultura e da religião, é nossa pauta de hoje. A editora É Realizações assegura que “se você adora livros de História, História da Religião e de espiritualidade, esse é um título que não pode faltar em sua biblioteca.”

7 — À Sombra da Modernidade: Ensaios Sobre Antimodernos, de Fabrício Tavares de Moraes. Este livro do Fabrício é uma incursão crítica sobre o pensamento antimoderno. Com grande erudição e uma prosa envolvente, Moraes aborda diversos ensaios que tratam da resistência ao avanço do modernismo e da busca por fundamentos tradicionais e espirituais na compreensão do mundo contemporâneo. Através de uma análise detalhada de filósofos, teólogos e críticos culturais, o autor revela como os antimodernos oferecem uma perspectiva alternativa e, muitas vezes, provocadora sobre os desafios e as crises da modernidade. É uma leitura que instiga a reflexão e o questionamento, perfeita para aqueles que se interessam pelos debates sobre a cultura, a tradição e a modernidade. Mestre em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor pelo programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora, com doutorado sanduíche (bolsista CAPES) em Queen Mary University of London (Inglaterra), o jovem e talentoso autor havia publicado parte desses ensaios no caderno “Estado da Arte” de “O Estado de S. Paulo”, em meados dos anos 2000.

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Fabrício Rosa

Vereador em Goiânia pelo PT e policial rodoviário federal

Quando recebi o convite para apresentar uma lista dos livros que pretendo ler em 2025, tive certa dificuldade em pensar fora do que tem sido a minha rotina de leituras nos últimos meses, todas em torno do tema do meu projeto de doutorado no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás (PPGIDH-UFG), com foco na relação entre polícia e política. Com o tempo dividido entre as atividades e lutas parlamentares como vereador por Goiânia, policial rodoviário federal e pesquisador, me debrucei sobre temas ligados à pesquisa do doutorado, e outros relacionados ao combate às opressões, mais próximos de minha pesquisa do mestrado, cujo título da dissertação é “Mães em luto: narrativas de sofrimentos decorrentes do extermínio de jovens em Goiânia”.

Neste momento estou lendo “O Soldado e o Estado”, de Samuel Huntington, que trata da relação entre civis e militares em um estado democrático de direito. No início de 2025, quero me dedicar a ler “O Poder Camuflado”, de Fábio Victor, que trata da politização da caserna e da militarização do poder. Quero reler José Murilo de Carvalho e Nelson Werneck Sodré, que analisam a história dos militares no Brasil.

Sobre indicações de leituras que me marcaram, prefiro listar dez obras de autoras e autores que quero reler e que acredito que seus escritos são fundamentais para a compreensão do mundo. A primeira delas é “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”, da filósofa norte-americana Judith Butler. Considerado um texto fundador da Teoria Queer, Butler aborda em “Problemas de Gênero”, de forma bastante provocativa, o pensamento crítico a respeito do movimento feminista nos dias de hoje.

Ainda nas leituras sobre feminismo, racialidade e combate ao racismo, ao machismo e à misoginia, quero ler novamente “Mulheres, Raça e Classe”, de Angela Davis. A filósofa socialista dos Estados Unidos se debruça sobre as nuances da opressão. É impossível pensar uma nação que não inclua como tema central os impactos da escravidão e a intersecção entre raça, gênero e classe para entender o mundo.

Da teórica feminista bell hooks, pseudônimo de Gloria Jean Watkins, já deixei na cabeceira da cama o livro “Teoria Feminista (Estudos)”, no qual a autora fala sobre a defesa do feminismo a partir do entendimento de que não é possível admitir qualquer forma de opressão, porque o homem pode ser tanto o opressor em potencial como pode se transformar em um aliado na luta em defesa dos direitos das mulheres.

“Pele Negra, Máscaras Brancas”, do psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon, natural da ilha caribenha de Martinica, foi publicado pela primeira vez em 1952. É a primeira obra lançada por Fanon, que, até hoje, figura na prateleira dos textos mais influentes da luta antirracista. Por meio de uma interpretação psicanalista, “Pele Negra, Máscaras Brancas” destrincha a relação do negro com o branco por meio da “epidermização da inferioridade”. A obra desnuda os pecados de uns e revela para outros a condição de vulnerabilidade e amparo.

Do mestre em estudos da América Latina James Naylor Green, escolhi “Escritos de um viado vermelho: política, sexualidade e solidariedade”. O norte-americano doutor em História da América Latina se debruça sobre um de seus principais temas de pesquisa, com recorte histórico na comunidade LGBTQIAPN+ durante a ditadura militar brasileira. Por meio de ensaios, James Green desperta a atenção do leitor por um mundo que muitas pessoas desconhecem ou fingem não existir em nossa sociedade.

O escritor e filósofo francês Didier Eribon também está na lista dos autores para revisitar em 2025 e que super indico a leitura. Especificamente “A Sociedade Como Veredito”. “Nenhuma identidade dada constitui necessariamente um modo de autoafirmação política”, diz Eribon. É uma bela aula de como estão enraizadas as estruturas e suas hierarquias e como elas reproduzem os modelos de dominação ao longo do tempo.

Do paulista João Silvério Trevisan, escolhi reler “Pai, Pai”, uma obra ficcional que conta a história de João, filho mais velho de uma família do interior de São Paulo com pais de origem humilde. João sofre a violência cometida pelo pai, José, que não aceita que o filho seja um “menino maricas”. E, como na vida de muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ que não são aceitas pela própria família, antes dos 10 anos, João foge para um seminário. “Eu iniciava meu processo de ser outro, um homem, sem deixar de ser o mesmo filho de José, o cachaceiro”, revela toda sua dor João em determinado momento da história.

A escritora mineira Conceição Evaristo, de quem li algumas obras nos últimos anos, também foi escolhida como releitura para o ano que vem. “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”, apesar de ficção, retrata de forma quase que real a união que fortalece e dá sentido e condições de sobrevivência às mulheres negras: o afeto. Por motivos mais do que merecidos, Conceição Evaristo se tornou em 2024 a primeira mulher negra imortal da Academia Mineira de Letras (AML). Um reconhecimento tardio a todas as autoras e mulheres negras que desempenham papel relevante na luta antirracista, cada uma em sua área de atuação e militância.

Do delegado de polícia, mestre em Ciências Penais e doutor em Ciência Política Orlando Zaccone, meu grande amigo, escolhi me dedicar à releitura de “Indignos de Vida. A Forma Jurídica da Política de Extermínio de Inimigos na Cidade do Rio de Janeiro”. A obra retrata como o Estado cria formas e sistemas para legitimar a violência e o extermínio como métodos de punição. E quem é usado para executar essa política do extermínio do inimigo, mesmo que muitas vezes ele seja um inimigo imaginário apenas para tentar justificar a mortandade do povo preto, pobre e periférico do País, são as forças policiais por meio de suas ações militarizadas.

Por fim, incluo como última escolha de releitura a obra “Globalização, Sistema Penal e Ameaças ao Estado Democrático de Direito”, da juíza de Direito aposentada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, grande referência antipunitivista e antiproibicionista no Brasil, Maria Lúcia Karam. São três temas que estão na pauta do dia, ainda mais com a proximidade da volta do republicano de extrema direita Donald Trump à Casa Branca, nos Estados Unidos, aliada às discussões sobre nosso sistema de encarceramento, além das graves ameaças à democracia e ao Estado Democrático de Direito nos últimos 12 anos, com agravamento da situação a partir do 7 de setembro de 2021, que foi escancarada para todo o mundo por meio dos episódios que culminaram na invasão da sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

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Diogo Fontana

Editor da Editora Danúbio

Não acredito muito em lista fechada de leituras, uso-as somente como referência, mas deixo a porta aberta para o que aparecer. Nessas coisas, sou como o pagodeiro: deixo a vida me levar… De qualquer modo, é sempre bom ter alguma espécie de mapa orientador. Essas são algumas das obras que espero ler no próximo ano.

História, Políbios. Editora Madamu

Os relatos do grego Políbios são um dos clássicos fundamentais da Antiguidade que ainda não li. Vou aproveitar que há uma edição brasileira do livro para fechar essa lacuna da minha formação.

A Marvelous Solitude: The Art of Reading in Early Modern Europe, Lina Bolzoni. Harvard University Press.

Pode parecer estranho para nós, que vivemos em ambientes urbanos tão cinzentos, utilitários e filistinos, mas gente como Petrarca reclamava da vida na Florença renascentista. A poucos passos da catedral de Brunelleschi e avistando colinas pontuadas de ciprestes, o poeta humanista sentia-se sozinho, triste. Detestava a sua época, desprezava os seus contemporâneos. Via na leitura um escape, e por meio dos livros buscava a companhia dos sábios da Antiguidade. Não sou um gênio como Petrarca, mas entendo esse sentimento. Por isso estou curioso para ler esse livro que trata justamente disso, da experiência da leitura no início do Renascimento.

A Vida Literária no Brasil: 1900, Brito Brocca. Editora Sétimo Selo.

E ainda imbuído dessa nostalgia que pode ser expressa no provérbio espanhol, cualquier tiempo pasado fue mejor, quero reviver a vida literária do Brasil durante a virada do século XIX para o XX. Considero hoje a nossa cena literária um deserto, uma tragédia grotesca e sem fim. Foi sempre desse jeito? Houve tempo melhor? São perguntas retóricas. Sei as respostas, e vou ler o Brito Brocca apenas para confirmar.

O Mundo Como Ideia, Bruno Tolentino. Editora Globinho.

A justificativa desse é muito fácil. Todo mundo me diz que o Bruno Tolentino é um dos nossos maiores poetas, e que essa é uma obra fundamental. Inclusive está para sair em 2025 o documentário “O Brasil Como Ideia”, do cineasta Josias Teófilo, inspirado na vida e obra do Bruno Tolentino. Oras, tive o privilégio de ver uma espécie de versão beta do filme, ainda em preparação. Já passou da hora, portanto, de ler esse livro. Ainda não o li. Sim, eu sei, vergonha, humilhação, mea culpa, mea maxima culpa.

We Who Wrestle With God, Jordan Peterson. Editora Portfolio.

Esse é atualíssimo, foi publicado agora em novembro, há poucos dias. É o terceiro livro do psicólogo canadense, que se tornou best-seller e celebridade mundial. O Jordan Peterson sempre tem coisas inteligentes a dizer. Gosto de acompanhá-lo.

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