Hugo da Peixa, o boêmio ameno

Por Aldo Paes Barreto

Hugo Gonçalves Ferreira ou Hugo da Peixa, criou fama e deitou em muitas camas na velha zona do Pina. Pelo físico, lembrava um desgarrado marinheiro americano, depois da II Guerra mundial. Louro, alto, olhos verdes, Hugo era pernambucano descendente de antiga família de senhores de engenho da Mata Sul. Boêmio ameno, reinou das areias de Boa Viagem às dunas do Corta Jaca, passando pelos caminhos do Encanta Moça até os alagados do Pina ou onde existisse boteco ou casa de raparigas.

Nas melhores pensões e casas de estripulias, Hugo tinha cama arrumada, bebida farta de boa qualidade, braços e pernas abertas. Era um boêmio sôfrego, educado, afável, herdeiro da nobreza pernambucana e de uma riqueza invisível de canaviais desfeita nos giros da roda da economia do açúcar. Da pretensa herança, viu pouco ou quase nada. A família perdeu tudo nas sucessivas crises que afetaram os velhos engenhos.

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Hugo preferiu os encantos da noite. O apelido – Peixa – viera da fixação pelo sexo oposto e não por algum parentesco com os donos da Indústria Peixe, produtora de doces de goiaba em Pesqueira. Hugo produzia amigos e, melhor, os conservava. Foi assim com Edite, Alzira, Verônica, donas da melhores pensões de raparigas do bairro, e com Djalma Procópio, da churrascaria Riviera, junto ao Cassino Americano e ao Maxim’s.

Djalma mantinha uma espreguiçadeira de lona onde Hugo assistia o sol nascer ou adormecia depois do almoço, respirando a maresia renovada.
Varão de uma família de belas moças, Hugo da Peixa era cunhado de Antônio Maria, o compositor que adornou o frevo com poesia e compôs as mais belas canções do vasto universo da Música Popular Brasileira. Antônio Maria gabava-se das virtudes boêmias do conterrâneo a quem, certa vez, escreveu uma carta e colocou no endereço “Hugo da Peixa, qualquer bar. Recife”. A correspondência chegou ao destino, sem qualquer atraso.

Outro cunhado de Hugo, o então jovem médico Nélson Caldas, o alertou sobre o maltratado fígado. “Você está prestes a contrair uma cirrose. Se escapar – avisou – vai padecer de alucinações. Hugo assustou-se com a segunda hipótese. Temia assombrações, as almas do outro mundo que povoaram a infância de menino de engenho. Foi o que imaginou numa noite sem lua, na praia do Pina, quando viu bois e vacas tomando bando de mar. Delirius tremus, temeu. Um motorista de praça que fazia ponto no Maxim’s, aquietou: “Seu Hugo, são bois mesmo. Caíram de um navio de Constâncio Maranhão”.

Refeito, Hugo da Peixa programou visitar umas tias abonadas. Com as parentas, ele sempre tinha mesada, carinho e as melhores recordações dos tempos do engenho. Na volta, o carro de aluguel passou pela Praça da Independência, onde ele viu um avião pousado no meio da rua. Agora era pra valer, pensou: Delirius tremus.

Novamente tranquilizado pelo acompanhante, Hugo deu meia volta e retornou ao Pina e às coisas que adorava: a noite, doses de rum Merino afogadas pela Coca-cola e as canções do cunhado Antônio Maria, que falavam na voz do seresteiro Raimundo dos Santos, de saudades tão grandes, do bloco das Pás, de Vassouras, daquela gente que ficou por lá…

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