Entenda o vício da população mundial em drogas ilícitas; e como isso é tão grave quanto a crise climática

O consumo, a produção e o tráfico de drogas ilícitas tornaram-se uma crise global de proporções alarmantes, comparável em gravidade e complexidade à emergência climática. Assim como o aquecimento global, o problema das drogas é um fenômeno interconectado, com impactos que transcendem fronteiras e afetam ecossistemas, economias e sociedades.

Dados do mais recente Relatório Mundial sobre Drogas da ONU revelam um cenário preocupante: a produção de cocaína atingiu níveis recordes, o tráfico de metanfetamina avança em regiões como o sudoeste da Ásia e o sudeste da Europa, e overdoses de fentanil continuam a devastar a América do Norte. Enquanto isso, a proibição do cultivo de ópio no Afeganistão, imposta pelo Talibã, coloca milhões de agricultores em situação de vulnerabilidade, exigindo respostas humanitárias urgentes.

A produção de drogas ilícitas não é apenas um problema de saúde pública ou segurança; é também uma questão ambiental. Na América do Sul, o cultivo de coca para a produção de cocaína tem levado ao desmatamento de florestas tropicais, enquanto os químicos tóxicos usados no refino poluem solos e cursos d’água. Comunidades locais sofrem com a perda de terras férteis e o acesso limitado a água potável, perpetuando ciclos de pobreza e dependência econômica do narcotráfico.

O paralelo com a crise climática é evidente: assim como o aumento das emissões de carbono tem efeitos globais, a produção de drogas ilícitas gera consequências que se estendem além das regiões produtoras. Grupos criminosos exploram fragilidades institucionais e ambientais, ampliando seu poder e influência. Segundo a ONU, esses grupos estão “danificando ecossistemas frágeis e perpetuando outras formas de crime organizado, como o tráfico de pessoas”.

O consumo de drogas ilícitas cresceu 20% na última década, com cerca de 300 milhões de usuários regulares em todo o mundo. A maconha lidera o ranking, seguida por opioides e cocaína. No entanto, a desconexão entre consumidores e as realidades da produção é um dos maiores desafios. Enquanto usuários em países ricos veem o consumo recreativo como um ato sem vítimas, a cadeia de suprimentos é marcada por violência, exploração e devastação ambiental.

Na América Latina, por exemplo, o aumento da produção de cocaína tem sido acompanhado por uma escalada de violência. No Equador, as taxas de homicídio quintuplicaram entre 2019 e 2022, impulsionadas pelo tráfico da droga para mercados na América do Norte e Europa. Agricultores na Colômbia, Peru e Bolívia cultivam coca por ser mais lucrativa do que alternativas como o café, mas pagam um preço alto: o controle do tráfico por grupos criminosos corrompe instituições locais e mina o estado de direito.

Drogas sintéticas e a transformação do mercado
Enquanto drogas tradicionais como a cocaína e a heroína continuam a causar estragos, as drogas sintéticas emergem como uma ameaça ainda mais complexa. A metanfetamina, por exemplo, tem se expandido rapidamente na Ásia, enquanto o fentanil, um opioide sintético até 100 vezes mais potente que a morfina, é responsável por mais de 100 mil overdoses fatais anuais nos EUA.

A produção de drogas sintéticas é mais barata e menos dependente de cultivos agrícolas, o que facilita sua fabricação e distribuição. Na Rússia, por exemplo, o uso de criptomoedas e mercados na darknet revolucionou o comércio de drogas, com transações anônimas e sistemas de entrega em “pontos cegos” (dead drops). Essa inovação tem sido acompanhada por um aumento na violência e em crises de saúde pública.

Conflitos armados têm se mostrado terreno fértil para o narcotráfico. Na Síria, o regime de Bashar al-Assad transformou o país em um dos maiores produtores mundiais de captagon, uma droga estimulante conhecida como a “droga da jihad”. Com a economia em colapso devido a sanções internacionais, o tráfico de captagon tornou-se uma fonte vital de receita, gerando cerca de US$ 5,7 bilhões por ano.

No Afeganistão, a proibição do cultivo de ópio pelo Talibã ameaça os meios de subsistência de milhões de agricultores, enquanto o estoque existente de heroína mantém o abastecimento para mercados europeus. No entanto, a escassez futura pode impulsionar a produção de opioides sintéticos, ainda mais perigosos.

Apesar do cenário sombrio, há exemplos de mudanças positivas. Portugal, que descriminalizou o uso de drogas em 2001, reduziu significativamente as mortes relacionadas a drogas e o consumo em geral. Na Escócia, a abertura de espaços seguros para o uso de drogas tem ajudado a reduzir infecções e overdoses.

No entanto, a resposta global ainda é insuficiente. A “guerra às drogas”, iniciada nos anos 1970, mostrou-se ineficaz e custosa. Em vez de criminalização, especialistas defendem abordagens baseadas em evidências científicas, focadas em saúde pública e redução de danos. A naloxona, por exemplo, um medicamento que reverte overdoses de opioides, tem salvado vidas onde foi amplamente disponibilizada.

Assim como a crise climática, o problema global das drogas exige uma mudança de paradigma. Enquanto a desconexão entre consumidores e produtores persistir, e enquanto políticas repressivas forem priorizadas em detrimento de soluções baseadas em saúde pública, o sofrimento humano continuará a crescer.

A ciência e a empatia devem guiar as respostas a essa crise, reconhecendo que, por trás de cada número e estatística, há vidas humanas em jogo. A mudança é possível, mas depende de ação coletiva e da vontade de enfrentar um problema que, como o clima, afeta a todos.

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