Como documentário sobre Brasília roteirizado por goiano causou guerra judicial com acusações de plágio e difamação

Um documentário sobre a construção da capital do Brasil lançado em 2017, e que teria levado cerca de uma década até ser concluído, está no centro de uma batalha judicial entre seu produtor e roteirista, Carlos Valls, e o diretor da obra, Peterson Paim quanto à sua real propriedade. Isso porque Valls, autor de ‘Ousadia da esperança: a saga da construção de Brasília’, acusa Paim de ter plagiado seu trabalho e se apoderado de trechos inteiros do documentário, utilizando-os em outro com título e formato diferentes. Já Paim rebate e afirma que tinha a autorização de Valls para a produção do novo documentário, um curta, e que um contrato assinado por ele liberaria o uso dos direitos da obra.

A defesa de Peterson Paim, ao ser procurada pela reportagem, disse que não vai se manifestar sobre o processo em tramitação, mas destacou que a sentença proferida até o momento não tratou de plágio, mas sim de violação de direitos autorais. A advogada também informou que não irá se manifestar sobre a acusação de difamação feita por Paim contra Valls, mencionando, também, que o caso ainda não foi finalizado.

Conforme o processo movido por Carlos Campos Valadares Filho, mais conhecido como Carlos Valls, o longa-metragem em questão passou por três registros, com mudança de título, até chegar ao definitivo. ‘Ousadia e Esperança: a saga da construção de Brasília’ traz luz sobre personagens centrais no erguimento do que hoje é a capital do País. Entre eles, o jataiense Antônio Soares Neto, o Toniquinho.

Natural de Goianésia, Goiás, Valls revela no processo, inclusive, que um dos principais problemas enfrentados ao longo da produção do documentário foi o fato de o roteiro inicial prever um encontro entre Toniquinho Oscar Niemeyer – um dos grandes responsáveis pelo planejamento arquitetônico de Brasília, o que acabou não acontecendo, devido ao falecimento de Niemeyer.

O projeto teria sido idealizado para concorrer no Festival de Brasília de 2017, sobretudo devido ao seu “ineditismo”. Foi quando os problemas e trocas de acusações entre Valls e Paim tiveram início. Segundo o produtor e roteirista no processo ao qual o Jornal Opção teve acesso, o diretor teria provocado, mesmo que indiretamente, a desqualificação da obra do festival pela inserção de uma fala de Niemeyer a qual se referiu como “totalmente inadequada” e que “acabou comprometendo o resultado final do longa-metragem”. Na edição final da obra, o arquiteto, ao ser questionado por Toniquinho sobre “o que era arquitetura moderna”, responde: “É uma merda”.

O momento de poucos segundos da “edição infeliz”, conforme referido pela defesa de Carlos Valls nos autos, “causou constrangimento nos jurados do festival de cinema, desqualificando o importante documento memória de Brasília, fruto de um trabalho de dez anos”.

No entanto, a defesa do documentarista alega que, três anos depois, em 2020, teria inscrito o documentário no Festival de Cinema Brasileiro “sem autorização e conhecimento” de Valls, alterando o título para ‘Questão de bom senso’ e o formato de longa para curta-metragem. Conforme o roteirista, a sinopse do novo documentário tinha a mesma sinopse do anterior, e na ficha técnica, o apelido de Carlos Valls – Zeca Valadares – no quesito “roteiro e produção” sem sua autorização. “violou os direitos autorais do autor. Também violou o regulamento da secretaria de Cultura do DF, que exigia ineditismo das obras como requisito para a participação.

Sinopse do documentário ‘Ousadia da esperança: a saga da construção de Brasília’, lançado em 2017 | Foto: Reprodução

Para Valls, Peterson Paim “violou os direitos autorais” da obra e “burlou o regulamento da Secretaria de Cultura do DF, que exigia ineditismo das obras”. “O Réu (de má-fé) se utilizou do intelecto e trabalho árduo do autor para benefício próprio, sem qualquer autorização. A própria Lei nº 9.610/98 que trata dos direitos autorais em seu art. 22 esclarece que ‘pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou’. Ademais, o autor se deparou com sua obra amplamente divulgada sem qualquer menção de sua verdadeira autoria, causando-lhe severa frustração”, diz a defesa de Carlos Valls, no processo, ao pedir uma indenização de R$ 100 mil por danos morais contra Peterson Paim.

O outro lado

Ao contestar os argumentos do roteirista, o diretor Peterson Paim, por meio de sau defesa no processo, negou que Carlos Valls tivesse sido prejudicado pelo lançamento de ‘Questão de bom senso’, uma vez que o longa-metragem [Ousadia e Esperança] continua existindo e diferente do que alega o autor, o filme não foi substituído, e sim realizada uma outra versão.

O diretor narra que, em 2017, o longa-metragem foi inscrito no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, porém não foi selecionado. No ano seguinte, em 2018, o documentário foi inscrito na Mostra SESC de cinema, à qual foi selecionado e exibido. Em 2020, “a versão média-metragem, de participação do autor, foi selecionada para o Festival de Cinema de Brasília, com um novo título: Questão de bom senso, o que jamais poderia ter o mesmo nome, pois trata-se de filmes com versões diferentes”.

“Assim, após a seleção do filme no festival de Brasília, o cineasta Peterson entrou em contato com o roteirista, informando a boa notícia: que o filme havia sido selecionado. O roteirista se mostrou satisfeito com a informação, indo inclusive ao seu encontro para oferecer sociedade em um outro projeto”, afirma a defesa de Paim. No entanto, ainda segundo o diretor, dias depois, ele foi surpreendido com uma mensagem do advogado de Valls avisando que o roteirista estava requerendo os direitos autorais do filme, “o que não fazia muito sentido, uma vez que o roteirista continuava sendo roteirista”.

Paim afirma ainda que tentou contatar Valls “a fim de entender o que estava acontecendo, uma vez que todos os direitos autorais estavam sendo preservados. Entretanto, o roteirista não respondeu as suas tratativas de contatos”. Após Carlos Valls tornar a história pública, Peterson Paim chegou a procurar a Delegacia de Polícia Civil do Distrito Federal, onde registrou um boletim de ocorrência pelo crime de difamação.

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À polícia, conforme o boletim registrado, Paim acusou Valls de tê-lo difamado para amigos, dizendo que ele seria “queimado na imprensa” e que teria a “carreira destruída” por ter “roubado sua obra”.

O diretor afirma, no processo, ser o “dono do filme”, uma vez que sua produtora é proprietária da obra. “Quem é considerado ‘Dono’ do filme é a produtora pela qual o filme é realizado e não o Roteirista, como o autor vem alegando! Registra-se que a produtora tem o direito sobre todas as imagens e áudio captados, ou seja, a Produtora Paim Filmes é dona de toda a imagem!”, rebate, a defesa de Paim, nos autos, ao repetir o pedido de Valls e pedir uma indenização no valor de R$ 100 mil.

Sentença

o juiz Leonardo Aprigio Chaves, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), acolheu parcialmente os argumentos de Carlos Valls. O magistrado cita, na sentença, que ao alterar “o conteúdo do documentário, mediante a supressão de partes, bem como o respectivo título, visando a inscrição e exibição em um festival de cinema de Brasília”, Peterson Paim promoveu violação aos direitos morais.

“Não há no contrato celebrado transferência dos direitos autorais para o réu, conforme alegado na contestação”, expõe. Aprigio chaves reconheceu a violação dos direitos autorais, mas não a acusação de plágio. Na sentença, o juiz proíbe Peterson Paim “de novamente utilizar a obra, total ou parcialmente, sem prévia e expressa autorização do autor”, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 50 mil. O caso agora tramita no Superior Tribunal de Justiça.

Veja um trecho do documentário Ousadia e Esperança, disponibilizado no YouTube:

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