Contaminação que ameaça o turismo: o Brasil precisa de transparência sobre qualidade das águas das praias

Chegou o verão. Sol, praias cheias, céu azul e o cheiro de protetor solar no ar. Turistas estendem suas toalhas na areia quente, e vendedores ambulantes carregam caixas, arrastam carrinhos e equilibram isopores sob o sol, tentando garantir dinheiro para o mês. Entre tirar selfies e conversas na praia, poucos reparam: as águas nem sempre são tão claras quanto parecem.

No dia 21 de dezembro de 2024, a Folha de S. Paulo revelou uma informação preocupante: das 861 praias analisadas em 14 estados do Brasil, apenas 258 (30%) estavam boas para banho durante todo o ano. Em 2016, o número era 384 (44%). Não é preciso ser inteligente para notar que algo está errado — muito errado.

Turismo e Saneamento: Relação Contaminada

Se olhar de perto, verá que, nas cidades turísticas, o problema piora na alta temporada — dezembro, janeiro e julho. Nesses meses, o número de visitantes cresce muito, e o sistema de esgoto, que já é frágil o ano todo, não suporta.

É uma ironia: o turista que quer aproveitar a praia acaba ajudando a contaminar as águas. Esse ciclo vicioso, em que mais turistas trazem mais esgoto, enquanto mais esgoto resulta em menos praias seguras para banho, é um problema ignorado.

Outro ponto relevante é o crescimento descontrolado das cidades litorâneas. Pequenos vilarejos de pescadores, que antes tinham uma relação sustentável com o mar, tornaram-se centros turísticos improvisados.

Hotéis foram construídos sem planejamento, condomínios de luxo surgiram em áreas antes verdes, e o sistema de saneamento básico… esse ficou para trás no frenético crescimento urbano.

Não são só as cidades pequenas que sofrem. As capitais brasileiras, como São Luís, Florianópolis, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Fortaleza, também enfrentam grandes problemas. Apesar de orçamentos altos, ainda despejam grandes quantidades de esgoto sem tratamento diretamente no mar.

Quando falamos de saneamento básico no Brasil, os dados são impressionantes. Segundo o Ranking do Saneamento 2024, publicado pelo Instituto Trata Brasil, 32 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável. Mais de 90 milhões não têm coleta de esgoto. Diariamente, 5.200 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza.

Esse problema não é novo; é estrutural. Décadas de descaso e investimentos limitados não resolveram o problema de fundo.

O alto custo do tratamento: uma conta que ninguém quer pagar

Tratar esgoto custa muito. Especialmente os municípios menores não têm dinheiro para manter tratamento de esgoto eficiente. O que resulta? Soluções improvisadas, reparos temporários e muito esgoto despejado em rios e no mar. Isso pode ser chamado de “sujeira”.

O Marco Legal do Saneamento, sancionado em 2020, planejava que até 2033 todos teriam acesso à água potável e tratamento de esgoto. Para isso, seria necessário um investimento anual de R$ 231 por habitante. Hoje, a média é apenas R$ 111.

A pergunta é: como alcançar uma meta tão alta com menos da metade do necessário? Apesar do cenário preocupante, as praias continuam cheias. Por quê? Porque os turistas não recebem as informações.

Não há avisos sobre águas impróprias. Não há alertas em aplicativos de reservas. Enquanto isso, milhares de pessoas entram na água sem saber o que está escondido nas ondas brancas. Visitantes retornam para suas casas com problemas estomacais, irritações na pele e outros sintomas que são, muitas vezes, considerados apenas um mal-estar breve.

Três pilares: turismo, praia e saneamento

O turismo de sol e praia é um dos principais setores econômicos do Brasil. Ele movimenta bilhões anualmente, cria postos de trabalho e apoia famílias inteiras. Contudo, sem um saneamento eficaz, esse sistema começa a falhar. Sem turismo sustentável, não existem praias limpas. Sem praias limpas, o saneamento básico não existe. E sem saneamento básico, não há investimento necessário, planejamento urbano e fiscalização adequada.

Esse tripé — turismo, praia e saneamento — é fundamental. Porém, no Brasil, ele está sempre instável, prestes a cair. O que deve ser feito? A solução não é fácil, mas é urgente. Não podemos mais esperar. Precisamos de investimentos fortes e constantes em saneamento básico. Um planejamento urbano eficiente para áreas turísticas. Supervisão contra despejos ilegais de resíduos, conscientização ambiental para turistas e moradores, e transparência sobre a qualidade da água.

No final, o mar revela a verdade. Ele mostra o que é jogado nele. Na próxima vez que você entrar na água para se refrescar ou tirar uma selfie, talvez você deva se perguntar: “Essa onda que se aproxima contém só água do mar ou algo mais?”

Enquanto a espuma branca se forma em seus pés, bactérias nocivas estão à espreita. O problema é evidente, diante de nós. Resta apenas a coragem para enfrentá-lo.

Ycarim Melgaço | Foto: Jornal Opção

*Ycarim Melgaço é doutor em Ciências Humanas, pós-Doutor em Economia e Gestão de Organizações. É colaborador do Jornal Opção.

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